Resultado de dedicação e muita paixão.
Já andei comentando por aqui minha paixão por grandes orquestras e Big Bands, o quanto esse som enorme me fascina e influencia há anos. Hoje voltarei a falar desse som, porém ficarei aqui mesmo no Brasil, mais especificamente em São Paulo onde várias Big Bands vém fazendo apresentações regulares, levando o sotaque brasileiro ao jazz e ao swing, criando uma sonoridade toda especial e fomentando a formação de grandes músicos, arranjadores e compositores.
Dentro do meu projeto “Pedro Mariano & Orquestra”, gravado em São Paulo, utilizamos a seção de metais composta por seis músicos que integram as principais Big Bands paulistanas. O líder do nosso naipe é o trompetista Junior Galante. Entusiasta da boa e bem tocada música, o conheci há mais ou menos 20 anos em uma sessão de gravação e desde então é figura certa em meus trabalhos. Junior é um dos líderes da “Soundscape Big Band”, grupo formado em 1999 por músicos apaixonados pelo estilo musical determinados a trazer excelência musical e técnica, além de executarem, na maioria das vezes, composições de seus integrantes. Na minha opinião, este talvez seja o seu grande diferencial.
Desde pequeno, meu pai sempre me mostrou a riqueza sonora das Big Bands, especialmente as norte-americanas, e me contou de suas primeiras incursões quando jovem, em clubes e casas noturnas de São Paulo, para tocar com a grandes bandas nos anos 50. Lembro bem de meu pai lamentando que, ao longo dos anos, essas grandes bandas foram desaparecendo, ficando restritas a alguns poucos grupos que eram contratados para casamentos e festividades sazonais. O surgimento de outros estilos musicais, como o Rock, a bossa nova e a MPB, que concentravam as atenções nos seus protagonistas contribuiu, e muito, para a quase extinção destas bandas, ficando a cargo de pequenos grupos de músicos a manutenção do estilo nem que fosse para deleite próprio, restringindo-se a apresentações esporádicas em clubes noturnos para um público bem específico, composto em sua maioria por outros músicos e saudosistas apaixonados.
Na década de 1990, quando conheci o Junior Galante, lembro de saber de poucas Big Bands que mantinham uma agenda regular de apresentações. Na verdade lembro bem de três: “Savana”, “Mantiqueira” e “Soundscape”. A primeira é liderada pelo Maestro Branco, amigo de meu pai, com quem trabalhou em 1986 no Festival dos Festivais, a segunda idealizada pelo saxofonista Nailor “Proveta”, que nesta época tocava com meu pai e a terceira estava dividindo o poster de entrada da casa noturna “Blem-Blem”, em Pinheiros, com outros artistas POP, incluindo o “Projeto Artistas Reunidos”, do qual eu fazia parte. Logicamente existiam outras bandas nesse época, mas essas três estavam no meu cotidiano, muito mais por motivos pessoais.
A “Soundscape” era um caso muito interessante, porque ela se apresentava às segundas-feiras, no “Blem-Blem”, sempre com a casa lotada. Isso durou cerca de 8 anos! Eu me apresentava às terças-feiras no mesmo espaço com os “Artistas Reunidos” e não me cansei de me surpreender com a frequência da casa nos shows da “Soundscape”, sempre muito bem comentada por seu administrador, o “Alemão”.
Tem a clássica formação 4 trompetes, 4 trombones, 5 saxofones, piano, contrabaixo, bateria e guitarra. O repertório é composto, em sua maioria, por obras compostas e arranjadas por seus integrantes. Tem 4 CDs gravados de forma independente: “Maybe September” de 2001, “Uncle Charles” de 2006, “Cores Vol I” de 2011 e o mais recente “Paisagens Sonoras” de 2015.
Neste último trabalho, a sonoridade que se apresenta remete às gravações dos anos 50 e 60. Crua e repleta de “vazamentos”, a sensação que se tem é de estar dentro da banda. É possível ouvir até mesmo a vibração dos músicos durante a execução de um solo, ou após o término de uma música. Tudo proposital, conforme sugerido pelo técnico de gravação Luis Paulo Serafim, ao posicionar a banda em uma sala de gravação, todos bem próximos uns dos outros. Mesmo a bateria sendo um instrumento de difícil controle sonoro por sua natureza, foi deixada junto aos músicos. Por conta disso as dinâmicas ao tocarem deveriam ser muito respeitadas, salientando a primazia técnica tanto dos músicos na execução, quanto do técnico de gravação ao captar tudo isso.
Durante a audição de “Paisagens Sonoras” encontrei muitos sons. Em um momento me senti em clube de jazz, ouvindo improvisos virtuosos e intensos, temas complexos e profundos que demandavam uma imersão no som que vinha da banda. Em outro momento, sofisticadas composições surgiam com melodias e harmonias ricas, daquelas que te remetem aos grandes nomes do segmento como Nelson Ridle, Duke Ellington e Count Basie. Porém, em nenhum momento o disco cai no “lugar comum”, algo muito provável neste tipo de som.
Acredito que muito da qualidade que vem da “Soudscape” e do CD “Paisagens Sonoras” é fruto da paixão e da convicção de seus integrantes, que têm na música um combustível vital. Algo que compartilho 100%. É notável a dedicação a um estilo de música, que independente da sua viabilidade comercial, os completa e com todos esses anos de estrada, influenciaram novas turmas e gerações de músicos que também se organizaram em outras Big Bads, numa cena musical que só cresce. Hoje já são mais de 10 bandas, só em São Paulo. O resultado de tudo isso é o surgimento de toda uma nova geração de excelentes músicos aptos a tocar todo tipo de som.
A música agradece!
LINKS:
Aqui um trecho do documentário sobre “Paisagens Sonoras”: